quarta-feira, 15 de junho de 2011

Dessa vez não posto nada meu, tampouco espero um processo, visto que defuntos não o fazem.

Poema em Linha Reta

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Mim, O Normal.

Um cara estranho pára em frente ao cobrador, no momento em que deveria estar passando pela catraca.

- É universal, né?

- O que?

- Teu sangue, é universal, né?

- Ah, é, é. - Responde o cobrador, olhando primeiro para o crachá, e depois pro Estranho com um olhar estranho.

- É uma pena que não pode receber sangue de muitos outros tipos.

- É, é.

O Estranho senta e começa a ouvir Red Hot Chilli Peppers em volume alto, atrapalhando a leitura de Mim, o normal. Mim lê Machado de Assis. Mim imagina que o Estranho deve ser um desses roqueiros pirados que acham que são vampiros. Acho que não. Mim pensa que roqueiros pirados costumam ser vegetarianos, ah, não, esses são os maconheiros. Mim lê Machado de Assis. Mim pergunta quem diabos é Capitu. Mim acha que Capitu é uma puta. Capiputa. He he. Vai pro tuíter. O Estranho desce da lotação. Lotação não, ônibus. Lotação é coisa de preto pobre e fodido. Mim é branco. Mim gosta de pizza. Mim odeia maconheiros. Mim acha que todo preto é maconheiro. Mim adora Paulo Coelho. Ele é mistico. E nunca fumaria maconha. Mim chega em casa. Mim olha pra gata se masturbando no sofá e decido bater uma também. Primeiro abre um pouco a válvula de gás. Mim gosta de perigo e cheiro de gás. Mim senta na mão e pinta as unhas de vermelho. Até parece outra pessoa. Mim pensa na Megan Fox, ela é uma atriz boa. Mim goza. Mim lambe a porra e decide parar de comer tanta carne. Mim dorme.

E a cidade finalmente respira aliviada, embora o cheiro de porra e gás de cozinha tenham afetado todo o andar.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Carne.

Carne. A carne rodeia minha cabeça e enche minha boca, uma carne úmida, salgada e de cheiro forte. Sem morder, a sugo levemente, a lambo, brinco com ela, brinco com meus lábios, brinco com seus lábios. Tudo o que sinto é carne. Carne pulsante entre minhas pernas, carne que pressiona e brinca com minha carne pulsante. Carne farta e macia que aperto com minha mão vaga. Carne que rodeia minha carne e geme em tom de gozo. Carne que cede, após contrair-se em espamos, após gritar e urrar. Carne que sorri sem deboche, carne que sorri sem intenção. Carne que sorri. Carne que interrompe o sorriso com gemidos, carne que balança, que escapa do colchão, que fica metade sobre, metade sob, carne que goza. Seguida pela minha carne que goza.

Poderia ter acabado aqui. Poderia ter sido o fim, sem culpas, sem arrependimentos. Mas a carne cria rosto, a carne cria sorrisos e deixa de ser. Ser o quê? O que é que fôra mesmo? Carne? Não, nunca acontecera, o que vejo não é carne. O que vejo é bicho gente, bicho louco, insano, estranho. Mas não é só carne, não. Carne não me olha assim, carne não me sorri assim.

Carne só goza.

Só se ama com sorrisos e olhares.

sábado, 28 de maio de 2011

Se pudesse...

Meu coracao tem mais quartos que uma pensao de putas, meu coracao tem mais quartos que uma pensao de putas, meu coracao tem mais quartos que uma pensao de putas...


Meu peito disparava a frase de Gabriel Garcia Marquez e eu cantarolava entre dentes sorridentes como um refrão, sentia-me feliz. Feliz de uma maneira que deveria ser proibida, feliz de uma maneira profana, imoral, até. Mas meu riso era um riso de foda-se, um riso que cagava pras convecoes morais. O riso de uma noite foda, o riso de trepadas memoraveis, de orgasmos multiplos e de olhares confidentes. O riso de uma ilusao talvez, mas quem se importa com o zagueiro reserva do time campeao 'e ruim de bola? Minha felicidade era tao absurda, que me peguei dançando nu e só, sorrindo para as paredes, para a televisão desligada, pras roupas espalhadas no chão e a gata no cio. Tropeço, caio, me raspo todo na quina do sofá e continua a sorrir, gargalho de mim mesmo. Ah, como eu queria um ilusão perene, um amor eternamente platonico, um amor de eternos orgasmos multiplos e sorrisos confidentes.

Se pudesse, me apaixonaria o tempo todo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Um dia que nao existiu.

Hoje eu nao acordei. Nao abri os olhos, nao tornei-me consciente de nada. Hoje o mundo nao ameacou minha paz e permaneci inconsciente durante todo o dia. Havia um sorriso estranho no meu rosto, um sorriso que dizia que era esse o dia mais feliz de toda miha vida, o que dia que nao vivi. Nao estou aqui para aclamar a morte ou valorisar o suicidio, tampouco estou disposto a ser julgado como covarde tudo saindo das bocas e dedos das mesmas pessoas que choram abracadas aos seus respectivos travesseiros odiando suas respectivas vidas. Nao. Nao tenho medo da vida, dos desafios e obstaculos. Passei minha vida toda enfrentando eles de frente, passo todos os meus dias trabalhando e interagindo com pessoas tao diferentes entre si quanto eu sou delas. Fugir nunca foi uma opcao. Por isso estou feliz por estar inconsciente, feliz por saber que ao menos um dia nao terei que sorrir quando quero chorar, que nao terei de ser simpatico quando quero esmurrar, um dia que minha sinceridade pode enfim ser sincera, um dia fora dos padroes. Um dia que nao existiu. Eu sou ateu, nao acredito no mito cristao da criacao do universo em sete dias, sendo um deles para descanso, mas, essa e a lenda crista de que mais gosto, por apresentar um Deus humano.

Nao se pode confiar em quem nunca descansa.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Amores!

"Que insensível eu devo ter soado"

Era o que pensava Marie, enquanto distribuía passos bêbados pelas calçadas escuras.

"Que imbecil eu devo ter parecido"

Era o que pensava Josias, enquanto distribuía socos raivosos no acolchoado macio do sofá.

"Talvez ainda dê tempo de voltar..."

Era o que pensava Marie, dando meia volta sobre o salto vermelho.

"Talvez se eu ligar..."

Era o que pensava Josias, dando dedadas furiosas no telefone cor de chumbo.

"Qual era mesmo o apartamento?"

Era o que pensava Marie, decidida a mostrar seu amor.

"Qual era mesmo o celular dela?"

Era o que pensava Josias, decidido a se mostrar um homem melhor.

"Querido, só quero você"

Era o que sussurrava Marie, enquanto o elevador cavalgava os seis andares.

"Querida, só quero você"

Era o que sussurrava Josias ao telefone, ouvindo chamadas díspares.

"Meu amor! Eu só quero te abraçar"

Foi o que gritou Marie, quando viu seu homem sorrir.

"Meu amor! Eu só quero pedir perdão!"

Foi o que gritou Josias, quando o celular caiu na caixa postal.

Uma onomatopéia de estrondo.

Foi o que se ouviu da cama de Jacques, quando ele e Marie caíram nela, dispostos a sufocar a dor no suor.

Uma onomatopéia de estrondo.

Foi o que se ouviu na rua, quando Josias caiu do sexto andar até a calçada. Vítima de um amor contrariado.

domingo, 5 de setembro de 2010

Curto, grosso e mortal.

O velocímetro apontava 120km/h, a garrafa estava quase vazia e eu podia ver a cara de louco que Cléber fazia no volante.

- Cara, eu tenho que ver a Josi.
- Porra, não dá pra maneirar nesse volante, não?
- Tá se cagando, é?
- Com você no volante...
- Fica de boa, daqui a pouco a gente chega.

Bebi o último gole de vinho direto do gargalo e acabei relaxando. O mundo caga pros nossos últimos 20 segundos.